O alerta de Tancredo segue valendo. Ninguém mais se inspira em Ulysses

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Uma declaração de Tancredo Neves, aquele que foi presidente sem nunca ter sido, morto há 35 anos, e uma do ex-deputado, Ulysses Guimarães, o Doutor Diretas, morto há quase 30 anos, vêm a calhar (antiga essa expressão, não? Do tempo dos dois citados) neste momento de eleição das mesas da Câmara e do Senado.

Disse, certa vez, Tancredo Neves: Quanto mais o eleitor se aproxima da urna, mais forte é a vontade de trair.

Ulysses, no antológico discurso na sessão de promulgação da Constituição de 1988, afirmou textualmente:

– Todos os dias, meus amigos constituintes, quando divisava, na chegada ao Congresso, a concha côncava da Câmara rogando bênçãos ao céu e a convexa do Senado ouvindo as súplicas da terra, a alegria inundava meu coração. Ver o Congresso era como ver a aurora, o mar, o canto do rio, ouvir os passarinhos”.

Tem outra frase do Ulysses. Mas essa eu deixo para o final…

Fui ali atrás, procurar o doutor Ulysses e o doutor Tancredo porque, nesta segunda-feira, 1o de fevereiro, deputados federais e senadores elegem os dirigentes do Congresso Nacional para o biênio 2021/2022. Não vou cansar ninguém com números de pesquisas e estatísticas sobre a avaliação popular do trabalho de senadores e deputados. Já há muito tempo, sabemos que a credibilidade do Poder Legislativo é negativa. Resultado, um pouco, do fraco trabalho de alguns deles e, muito, das narrativas e fake news que os “antipolítica” espalham pelas redes sociais.

Nove deputados e cinco senadores disputam as presidências da Câmara e do Senado. Apenas dois em cada casa têm alguma chance de vitória. Aliás, no Senado, apenas um, já que, naquela casa, a máxima de Tancredo se confirma até quando as urnas estão relativamente longe. O MDB abandonou a senadora Simone Tebet, candidata do partido à presidência do Senado, alguns dias antes da eleição em troca de cargos na mesa diretora. Cargos que dão direito a outros cargos que, levam a outros, que levam…

Então, sobra o candidato Rodrigo Pacheco, do DEM, apoiado pelo presidente da República e por outros oito partidos, entre os quais o PT, que acredita na promessa de Pacheco de manter o Senado independente na relação com seu principal cabo eleitoral, Jair Bolsonaro. Os outros três candidatos, Jorge Kajuru, Lasier Martins e Major Olímpio contam só com os próprios votos. Se não forem traídos, na boca da urna, claro…

Na Câmara, Arthur Lira, craque do Centrão, filiado ao Progressistas, com apoio do presidente da República, de 11 partidos (PL, PP, PSD, Republicanos, PTB, Pros, Podemos, PSC, Avante, Patriota e PSL), promessas de generosa liberação de emendas e até a eventual recriação de ministérios, parece liderar a disputa. Juntas, essas legendas somam 259 deputados. Eu digo “parece liderar” porque as urnas estão cada vez mais próximas…

O outro candidato com alguma chance de ganhar é Baleia Rossi, do MDB, apoiado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia e por outros 11 partidos: PT, PSL, MDB, PSB, PSDB, DEM, PDT, Cidadania, PV, PCdoB e Rede. Esse grupo tem 236 deputados. Mas pode diminuir à medida que as urnas se aproximam. Divergências entre o Rodrigo Maia e ACM Neto, presidente do DEM, é motivo alegado para eventuais pulos de Democratas do barco de Baleia para a jangada de Arthur Lira… nas bancadas do PSDB e do PDT, também a vontade alertada por Tancredo cresce nos últimos dias.

Nas entrevistas, nas manifestações públicas, todos garantem que vão manter a respectiva casa independente em relação ao Poder Executivo e fazer avançar as reformas, fundamentais para que o país avance. Mas ninguém fala dos mais de 50 pedidos de abertura de processo de impeachment contra o presidente da República, ninguém diz nada sobre prisão em segunda instância, ninguém trata do fim do eventual fim do foro privilegiado, ninguém nega as negociações por cargos na mesa, vagas nos escalões médios – e até altos – dos  ministérios….

Então, já se vê que as bênçãos do céus e as súplicas da terra que inspiravam Ulysses Guimarães já não inundam os corações dos nossos parlamentares. A impressão que se tem é que eles enxergam, naquelas cúpulas, caixinhas de surpresas de onde saltam cartõezinhos coloridos anunciando emendas polpudas e empregos bem remunerados…

A nós, que os elegemos, resta esperar para ver o que vai sair de lá. E torcer para 2022 chegar bem.

Ah! A outra frase do doutor Ulysses, que cabe bem nestes tempos de ódios aparentes e apoios inacreditáveis:

– Em política, até a raiva é combinada… – dizia o Doutor Diretas.

Fernando Guedes

Fernando Guedes

Jornalista com larga experiência nos principais veículos de comunicação do país. Fez cobertura da campanha pelas Diretas como chefe de redação da TV Globo, em Brasília; comandou o lançamento do telejornal do SBT e coordenou a redação da TV Bandeirantes.